segunda-feira, 2 de julho de 2012

“Não se vive de arte, mas também não se vive sem” (Marita Prado).


Por Vanessa Hassegawa.


A atriz paraense Marita Prado conta para o Las Caboclas a sua experiência no espetáculo Barafonda, da Cia São Jorge de Variedades, em São Paulo.


Chegamos eu e meu amigo Fredyson com três minutos de atraso à Praça Marechal Deodoro. Foi preciso correr pra alcançar a peça que já margeava as redondezas do Teatro da Cia São Jorge de Variedades. Lá havia em torno de 200 pessoas aglomeradas que assistiam aficionadas ao que ora era encenação, ora se misturava aos próprios personagens da rua. 


Bêbados, senhoras, travestis, craqueiros. O começo de Barafonda é uma profusão de gente das quais não sabemos quem realmente é do elenco. Uma mágica sem apetrechos bufões e cenografia que conduzem uma dramaturgia legítima e um teatro de grupo ,ou melhor, uma ode ao bom teatro brasileiro. 


Meus elogios são meio suspeitos, porque além de já ter feito parte da "família"  de Teatro na região da Luz como RP do Pessoal do Faroeste, o elenco de Barafonda tem a atriz paraense, Marita Prado, que nos contou um pouquinho de sua trajetória e a experiência de estar em uma das principais trupes do país. Aos 24 anos, Marita resplandece com sábias palavras e pontua muito bem que sua profissão é uma vocação e um “evoé” que alia muito bem uma interpretação pra lá de pai d´égua!


LC- É impossível não se impressionar com a montagem de Barafonda. Como foi participar desta montagem na São Jorge de Variedades? É a primeira vez nesta companhia? 
MP- Posso falar com certeza que participar de Barafonda foi um desafio, e depois do espetáculo “pronto”, vencido e vivenciado os empecilhos são um grande amadurecimento profissional.
Foi um ano e meio de processo e a montagem permitiu que criássemos juntos de atores mais experientes. É uma experiência incrível de aprendizado, descoberta de possibilidades em relação ao conteúdo, estrutura da peça e até aos meus próprios limites quanto atriz.


LC- Fale um pouco sobre o enredo da montagem: a dramaturgia coletiva  e o casamento da história do bairro e os textos de As Bacantes e Prometeu Acorrentado.
MP- Trata-se das relações humanas na sua forma mais simples e as historias mitológicas, e  Barafonda é o cenário que funde tudo isso.
Barafonda é uma grande festa pelo bairro da Barra Funda. Uma interação com a cidade viva, pulsante. Falamos sobre o passado, o presente e o futuro sobre a perspectiva da história do bairro, das histórias de pessoas do bairro e daqueles que lá moraram ou ainda moram.
Além dos textos de Prometeu Acorrentado, Dionísio que de certa forma abordam aspectos da liberdade, da vontade e do prazer mundano e por vias consequentes, o aprisionamento moral individual e cívico. A dramaturgia coletiva é definitivamente um exercício de escuta.
O casamento dos textos gregos e da história do bairros se deu a priori pela ideia de Coro, uma pesquisa que já existia na Cia mas que foi intensificada e somada a sua base, que é o coro grego. A ideia surge, e a partir daí o desafio de estruturar a dramaturgia de forma harmônica.


LC- Como você se prepara para uma jornada de 4 horas de montagem onde há canto, dança e um longo deslocamento pelas ruas do bairro?
MP -Tivemos um ano e meio de preparo com apoio de importantes profissionais, entre eles: preparação vocal, musical e corporal. Tivemos aulas de “cheganças”, instrumentos, trabalho de campo de visão, e outros.
Para o espetáculo em si, eu acho que o preparo para essa jornada é a dedicação. Chegar pelo menos 2 horas antes para começar a maquiar, entrar na energia coletiva, o vai e vem do elenco se preparando, é um grande estimulo! Além, é claro, de um bom alongamento (que quase sempre é Yoga), aquecimento de voz e uma água no bolso durante o percurso.


LC- O que representou essa vivência artística para você?
MP- É uma alegria olhar a cidade de uma outra maneira, ter respeito pelo espaço o qual vivemos. E sobretudo, diante dessa enorme cidade que pulsa, ferve...Fazer um espetáculo acontecer é, no mínimo, mágico. Viver o Barafonda é acreditar que os desafios são obstáculos a serem passados para trás. É acreditar que a arte move os corações mais escondidos. Não se vive de arte, mas também não se vive sem.


LC- Fale um pouco sobre a sua formação artística.
MP- Meu contato com a arte foi através da Universidade Federal do Pará. Lá fiz o curso de cenografia, que abriu meu olhar e me instigou a criar espaços, luzes, técnicas, observar os atores em cena, os técnicos que trabalhavam em prol de um espetáculo. O curso é ótimo, só que era novo e não tínhamos uma estrutura muito boa, trabalhávamos com que tinha e com o que não tinha. Ali comecei a amar os palcos. Já apaixonada pelo teatro e ávida por mais informações e pelo contato com palco, vim para São Paulo e comecei a estudar a cena, os personagens, a teoria. Chegando aqui, eu assistia a quatro peças por semana!
Entrei na  Escola Celia Helena, onde tive os primeiros contatos com importantes pensadores de arte. Pude me expressar das mais variadas formas, com e sem clichês. Tive a oportunidade de trabalhar no grupo Folias D’Arte, no Teatro São Pedro, com a Ópera Romeo et Juliet, tive contato com o grupo cia Elevador Panorâmico e sua pesquisa de Campo de Visão, que me encantou. Conheci atores brilhantes e não só isso, artistas que têm a arte como uma forma de pensar, agir, um trabalho íntegro de pesquisa e comprometido com a sua verdade e sobretudo com o oficio que escolheu. A faculdade foi importante sim, porém as experiências profissionais ainda mais. Elas te capacitam com segurança, é um crescimento instantâneo. Relacionar-se com os outros, saber escutar ideias, discutir,  trabalhar com o tempo, com pouca grana. Isso não se aprende na faculdade e a vida profissional exige isso.


LC- Quais foram seus principais mestres tanto em Belém quanto em São Paulo? Quem te inspira?
MP- Em Belém, duas pessoas foram as responsáveis por me desafiar e querer mais de mim na arte. A Professora Iara e a Wlad Lima - mestras que fazem com amor e responsabilidade. Isso é bom! Costumo dizer que a gente aprendia com o amor que elas explicavam nas aulas. Aprender com amor e dedicação estimula, instiga. Eu pensava:  “Eu quero  viver esse amor também”.
Em São Paulo, sem dúvida, a atriz Patricia Guifford, mulher de força, garra, extremamente dedicada e competente. Sou daquelas que não vê defeito. Artista, mulher perfeita! O teatro precisa de pessoas com tamanha perseverança e garra. 


LC- A peça saiu de cartaz, mas você vai continuar com a pesquisa da Cia São Jorge? Quais os seus planos daqui por diante? 
MP- A São Jorge é uma cia especial. São sempre instigantes as pesquisas investigadas de lá. O projeto Barafonda teve uma demanda enorme. Então, por enquanto, penso em colher e gozar desse fruto! Tenho um projeto para Belém que envolve jovens paraenses e estou desenvolvendo junto com dois empresários que acreditam no desenvolvimento do estado através dos olhares de jovens músicos, jornalistas, empresários, artistas e chefs de cozinha.
Além de um processo de pesquisa que fala da mulher; músicas, depoimentos pessoais, textos autorais, vivências que partem do nosso íntimo e que acabam por escrever uma história, seja ela feliz ou triste.



Marita, em cena no espetáculo Barafonda:




O Espetáculo Barafonda esteve em cartaz de 4 de maio a 23 de junho de 2012, nas mediações da sede da companhia, que fica na Rua Lopes de Oliveira 342 - Barra Funda. Mais informações sobre a peça e a pesquisa da Cia em: ciasaojorge.com