terça-feira, 13 de novembro de 2012

Carta para alguém em 2025

Foto de Fred Linardi


Por Fred Linardi

São Paulo, ano de 2012

Não existe muito segredo para adivinhar como estão as coisas no mundo hoje. Afinal, não faz muito tempo que escrevi essa carta e provavelmente enquanto você está lendo, posso estar passando pela calçada da sua casa ou prédio. Abra a janela por um instante e tente ver, entre a poluição que entra junto com a brisa se existe alguém caminhando num ritmo que permita, ao mesmo tempo, andar numa linha que o faça chegar aonde quer, enquanto observa as janelas acesas nos prédios. Se houver alguém assim, flanando pelo caminho, provavelmente sou eu. Viajo nas janelas acesas talvez na falta do pôr do sol, que é tapado por esses paredões de concreto.

Faz tempo que costumo fazer isso, muito antes de andar munido do meu mp3 player, com fones de ouvido ligados por um fio. Esse negócio de mp3 veio com tudo. As músicas que queremos ouvir hoje são baixadas pela internet via programas e sites que deixam as gravadoras de cabelo em pé. É que até pouco tempo atrás, todos os artistas dependiam delas para poder lançar suas músicas que vinham registradas em CDs, que vieram depois das fitas cassetes, que vieram depois do vinil. Pois é, hoje alguns artistas se safam fazendo produção independente e se dão bem com isso. As mídias sociais se fortaleceram nesse contexto de divulgação e esses caras independentes já estão super satisfeitos simplesmente por terem suas músicas escutadas. Mas isso ainda tá muito no começo e ninguém sabe muito bem onde vai dar. E logo nesse meio-tempo, até os livros de papel foram para este paredão de mídias condenadas. É discussão que não acaba mais.

Outra discussão que começou a surgir há cerca de três anos foi sobre o fim do mundo. Ninguém sabe direito também o que pode acontecer. Mas a data já está muito exata. Vai ser no dia 22 de dezembro de 2012. Esse dia praticamente profético vem do calendário maia, que foi encontrado há algumas décadas e todo decifrado. A matemática daquele povo, sim, era perfeita. Você deve saber disso, mas é bom lembrar: só para ser ter uma ideia, a nossa matemática é baseada em numerações decimais, ou seja, em dezenas sequenciais, enquanto a deles era uma matemática baseada em sequências de vinte em vinte. Hoje, esses maias fariam miséria junto ao nosso conhecimento científico. Mas eles tiveram alguma falha muito grande em algum outro aspecto, pois essa civilização que detinha esse conhecimento desapareceu antes dos colonizadores europeus chegarem. Então, ninguém sabe o motivo certo para o calendário perfeito deles acabar nesta data. Talvez se você tivesse lendo uma carta deles agora, teria mais sorte do que estar lendo essas informações que não devem ser tanto novidade. Principalmente porque, se você a estiver lendo neste mesmo planeta, o mundo não acabou mesmo.

Mas tem uma coisa que você vai cair no chão de saber. O sistema operacional de todos os lugares que vamos e de tudo o que usamos funcionam perfeitamente. É verdade que todo mundo reclama, que os sistemas caem de uma hora para a outra, deixando as pessoas loucas da vida, formando filas enormes e situações de desespero instantâneo. A gente tem ficado cada vez mais com pressa e, consequentemente, inventamos mais aparatos para fazermos a coisas com mais velocidade. Posso estar errado, mas isso daqui a alguns anos não vai mais ser tão funcional. Não é possível que o mesmo espaço de mundo, cheio de ondas de satélites, rádios e tudo mais consiga fazê-los funcionar como hoje. A gente se sente muito seguro quanto a isso agora, mas basta dar um pau no computador que a gente já começa a ter chiliques, sabe? Imagino quando um sistema todo cair. Na verdade, a gente teve quase um negócio desses no ano 2000, falaram que seria o “bug do milênio”. Ainda bem que não aconteceu. Mas outro dia eu vi que em algum dia próximo parece que o sol vai sofrer umas explosões mais fortes na sua superfície e que essa intensidade emitirá para cá uns raios super poderosos que serão capazes de queimar tudo o que estiver na tomada. Isso sim tá mais com cara de bug. Até nossas tostadeiras queimarão!

Sei que pensar em tostadeira é pequeno perto das outras coisas. Mas quando penso na tostadeira, me vem uma coisa em que o tempo não conseguiu ultrapassar. Lembro que na casa dos meus avos elas já existiam, desde quando eu era criança. Tenho um avô que morreu antes dos computadores chegarem às nossas casas. Meu outro avô certamente morreu sem entender direito qual é que era esse negócio de internet. Uma das minhas avós está bem viva e sabe usar uma tostadeira. Essa mesma avó me vê conversando com alguém via webcam e diz “como pode?”. A minha outra avó que se foi este ano não perdia uma missa pela televisão, que ainda existe desatrelada às outras mídias. É assim que a maioria das pessoas queridas se encontra hoje em dia – via satélite.

Acho que conexão é uma das palavras que define muito esses tempos em que vivemos hoje. Todo mundo pode ver tudo e também pode ser visto. Graças aos meios virtuais mesmo, pois tem muitos amigos que não vejo há anos e já desisti de combinar de me encontrar com eles. Cada um segue seu rumo, compromissos e horários. Mas a conexão não para por aí. As pessoas estão buscando outras formas de se ligar. Tem autoconhecimento e busca pelo divino em tudo quanto lugar. Acho isso legal, sabe? De repente é aquela Era de Aquários anunciada e cantada no final do século passado. Acho que isso pode explicar várias coisas que você está vivendo hoje, ou começando a viver.

Ao mesmo tempo, tem muita gente que questiona a existência de Deus. Enquanto isso, os pólos estão derretendo, o lixo está poluindo e o fogo destruindo. Peço desculpas pela ausência de espírito dos nossos líderes atuais, que inclusive fazem guerra usando Deus como justificativa. Foram escolhidos por nós. Você deve ter ouvido falar sobre as promessas do primeiro presidente negro dos Estados Unidos e do primeiro presidente brasileiro vindo do povo E depois, da primeira presidente mulher brasileira. Mas nem eles puderam fazer muita diferença. O buraco é mais embaixo. Foram erros mais anteriores a eles. De qualquer maneira, eles tiveram medo de mudar a música tocada por aqueles que hoje já habitam os túmulos e não se afligem com os problemas ambientais e climáticos. Se existe Deus ou não, quem acredita nele entende que o mundo foi feito a partir de suas mãos. Hoje, é o ser humaninho que recria o mundo. Estamos fazendo uma caricatura do que já foi nosso planeta. Começamos a cavar nossa cova sem nos darmos conta disso. Hoje, sabemos que essa cova pode ser grande o suficiente para caber também nossos filhos e nossos netos, inclusive você que está lendo isso agora.

Enquanto isso, as pessoas correm lá fora com essa pressa pelo instante que virá a seguir. Hoje as pessoas não vivem nesta hora e neste dia. Estão vivendo o futuro, achando que estão atrasadas para tudo. Vão deixando marcas pelo caminho, sem se dar conta. Num minuto de parada, resolvi escrever essa carta que realmente se destina ao futuro. Não sei se pode ser útil. Mas isso é importante para mim também, já que hoje em dia nos preocupamos o tempo todo com isso: no que pode ser útil. As pessoas sentem culpa por fazer algo que simplesmente gostem, mesmo que seja só para si mesmo e que isso não lhes trará retorno material. Mesmo escrevendo essa carta, sendo ela útil ou não, tenho que me esforçar para não sentir que, na verdade, ela não foi a uma perda de tempo. Mas que ela valha como sua própria memória de uma época em que não viveu, ou não se lembra de ter vivido. Foi a partir desse passado recente que você veio.

Viva sua vida feliz, siga o seu sonho e não o sonho daquele que assina sua carteira de trabalho. Burle as regras sociais, que devem estar mais moralistas no seu tempo. Seja um ser humano e tente viver para deixar um sorriso nessa caricatura que desenhamos no mundo.


Um comentário:

  1. Mesmo me considerando suspeito, não posso me furtar ao elogio do texto acima, o que, aliás,já se tornou comum nos trabalhos produzidos por Fred Linardi.
    O tímido "garoto da janela", ganhou as ruas, ganhou o mundo e o gosto refinado dos que apreciam a literatura hodierna. Sua linguagem límpida, enxuta, simples, proporciona uma sutil expectativa ao leitor quanto ao final daquilo que se propôs. E, esse encerramento é, não raro, surpreendente e acolhedor, como um filme bem terminado.
    Neste ano, prestes a encerrar,lamento o pouco que temos nos falado. Mas fico feliz em saber que Fred está aproveitando todo o tempo do mundo para continuar produzindo obras como essa, fruto da sua nata inteligência e do seu admirável espírito irrequieto.
    Abraço fraternal do sogrão Flávio Oliveira, em 14.11.2012.

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