segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Extensores de bochecha.





Por Vanessa Hassegawa



A primeira vez que vi o bizarro na arte foi aos 16 anos quando assisti aos espetáculos Carne dos Vencidos no Verbo dos Anjos e Violência, ambos da Cia Cena 11 de Florianópolis. Nesta época, a escola de balé em que eu estudava em Santa Catarina ganhou ingressos e algumas mães de minhas amigas não as deixaram ir por conta das fotos do flyer, que sugeria sangue e pouco figurino em cena (imagine isso às prodigas bailarinas clássicas, há!). 


O espetáculo aconteceu numa quadra de esportes de Joinville e, em alguns trechos, dentro de uma bolha transparente que “sufocava” quem assistia à técnica de quedas e suspensão (não tenho cacife para defini-la melhor) e se apresentavam sob figurinos tecnológicos, peitos enormes, bocas esticadas cheias de botox (usavam extensores de bochecha), metal e pernas de pau. Apresentava num dança-teatro ou uma dança contemporânea feita por corpos disformes aos padrões 4X4 do clássico.


Não tão distante desse trabalho de dança, mas sob um climinha badalado-cosmopolita, na semana passada conheci a exposição que minhas amigas divulgaram: USAnatomy, de Steven Klein, que está rolando no Mube (Museu Brasileiro da Escultura). Apesar de ser o dia frequentado por pessoas que só vemos em revistas, o trabalho de Klein não ficou atrás das celebridades soltas pela galeria. Ao contrário: transcendeu.


Klein mixa o universo de beleza de humanos icônicos à sua/nossa alma de valores distorcidos... Assim como em dança, não sei definir e dissecar seu gênero artístico com precisão, só pude sentir as mesmas impressões dos bailados de Cena 11 e cada fragmento de humanidade. Carne e valores estampados sob lentes incríveis, sejam as das nostálgicas Polaróides aos painéis digitais extremamente bem produzidos.


As mais espetaculares são as cenas de happy family de Angelina Jolie e Brad Pitt seguida da cena de brincadeira com o revolver e a do super Edward Norton que não apenas alegrou as crianças com seu Hulk, mas nos leva a uma viagem minuciosa em representar um cara sozinho num quarto vazio com seu prato de comida inacabado... Muitas cenas reais com humanos que antes pareciam pertencer a outra galáxia.


Entre os “bons drink” e muitas risadas com as amigas durante a exposição, senti essas impressões malucas que me fizeram pensar nas obras de artistas que não sei exatamente se quiseram dizer isso, mas que me impressionam por causar um ruído muito semelhante quanto suas plasticidades: um por meio de passos em um palco e o outro pendurado em paredes.


Obs: A Mostra está inserida no projeto Iguatemi Photo Series – que sempre traz artistas maravilhosos em exposições incríveis! – é promovido em parceria com a Oi.


Dê uma passadinha por lá:
MuBE - Museu Brasileiro da Escultura
Av. Europa, 218 - São Paulo - Brasil
Terça a domingo das 10h às 19h
11 2594-2601 - mube@mube.art.br
Vernissage: dia 10 de agosto, a partir das 20h para convidados.
Visitação: de 11 a 28 de agosto
Entrada Franca 
O Museu possui acesso para portadores de necessidades especiais e café/restaurante.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não sei lidar

Christina's World, 1948
Andrew Wyeth (Americano, 1917-2009)
Obra exposta no acervo do Moma, NY

Por Renata Daibes

Talvez nunca aprenda, nem sei se existe uma maneira de aprender. Mas eu ainda não aprendi a lidar com a morte.

Seja aquela morte que vemos numa notícia, seja de um amigo de um amigo, ou de um parente próximo, aquilo fica martelando dia, meses e, dependendo do caso, anos dentro da minha cabeça.

Fico imaginando os últimos dias, pensando Será que a pessoa sabia que ia morrer? Como foi a última vez que falou com as pessoas que mais amava, como foram os últimos minutos e o que será que ela sentiu no momento exato?

Soube recentemente da morte da minha diarista, que na verdade fazia seis meses que eu não a via. Por motivos financeiros, decidi dar conta de tudo por aqui eu e o noivo desde o começo do ano. Quando recebi a notícia há duas semanas, fiquei muito triste e, de novo, pensativa. 

Pensei nas últimas vezes que ela veio aqui, nas nossas conversas, nas histórias que ela contava da Bahia e sobre o filho de nove anos que ela amava tanto. Lembrei dela pra lá e pra cá aqui em casa, arrumando tudo, limpando. Lembrei do dia a dia, pensei nela pegando ônibus pra ir e vir, nos afazeres diários e, de repente, tudo isso acabou. Eu não encontraria mais com ela, nem ouvirias as histórias, as pessoas que cruzavam com ela na rua ou no elevador não cruzarão mais. E assim as coisas se vão.

Penso também nas diferenças entre uma situação e outra. Lembrei de uma grande amiga que morreu de repente, assim como minha diarista. Lembrei de meu avô que ficou naquele vai e vem entre hospital e casa durante muito tempo. É a mesma dor, mas de formas diferentes. O fato da despedida ou não, a distância física, isso não muda o fato da falta que a pessoa faz em minha vida. Fico pensando, divagando, filosofando mil coisas.

E esse texto acaba assim, sem um final conclusivo, porque para mim a morte ainda é uma coisa inexplicável, apesar de acreditar em algo melhor depois desse inferno que muitas vezes vivemos aqui. Vamos em frente, criando, fazendo planejamentos e tentando viver um dia de cada vez.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Não vi e tenho inveja de quem viu


Por Renata Daibes

Quarta feira da semana passada, dia 27 de julho de 2011, foi um dia muito especial para o futebol brasileiro e para quem aprecia obras de artes também.

Um jogo clássico, como na maioria das quartas e domingos acontece. Flamengo e Santos em campo na Vila Belmiro. Infelizmente não passou na TV aberta em São Paulo. Só assistiu quem teve a oportunidade de comprar o jogo por alguma TV paga. Não quero nem discutir essa escolha de jogos que passam ou não na TV aberta porque esse post não é de protesto e sim de deslumbre.

Fui jantar com alguns familiares, que passavam sua última noite de férias na capital paulistana. Ainda no restaurante, minha mãe me liga, diretamente de Belém, para dizer que está acontecendo um jogo super emocionante entre os dois times. Eu fico com uma agonia no coração por não estar em casa e por não ter comprado os jogos do Flamengo no campeonato. Mas tudo bem, já perdi tantos outros jogos, um a mais um a menos não faria tanta diferença assim.

Quando estávamos indo pra casa trocando de estações no rádio, parei numa narração do jogo. De repente, ouço um grito de gol do locutor, dizendo que acabara de acontecer o 5º gol do Flamengo e o jogo estava praticamente no fim, com o placar de 5X4. Minha mãe ligou novamente. Neste momento, eu já estava subindo o prédio às pressas. Abri a porta de casa, liguei a TV e nada! Estava passando outro jogo, que se não me engano também foi bonito, mas não tão especial quanto aquele que acabava de terminar.

Me restou ver reprises, comentários e ler coisas sobre a partida.

Mas no fim das contas estou feliz, apesar da inveja de quem viu o jogo. Pois vendo tudo o que vi depois, senti uma energia boa, coisa que não sentia desde quando o Flamengo foi campeão em 2009.

Foi até mais profundo do que a sensação da vitória em si. Uma coisa gostosa de sentir, de acreditar no futebol, que ainda existe arte, que se todos os envolvidos, jogadores, comissão técnica, dirigentes e torcida quisessem, poderíamos viver aqui no nosso país algo muito melhor do que temos hoje. Poderíamos eleger o melhor jogador do mundo sem precisar que eles saíssem daqui. Talvez fazer uma Copa aqui muito mais organizada e com estrutura, sem roubalheiras e corrupção. Poderíamos influenciar nossos jovens que estão começando no esporte a não querer apenas lucrar de clube em clube, mas passar a eles que o que vem antes é o amor à arte do futebol e amor ao clube, aos seus companheiros.

Continuo sonhando com essa realidade que, depois desse jogo, não me parece mais impossível. Ver os jogadores adversários se abraçando, Ronaldinho e Neymar, e mais especial ainda ver Neymar e Luxemburgo (técnico do Flamengo) abraçados, rindo e felizes. Obrigada Neymar, Ronaldinho e todos os jogadores e responsáveis por esse jogo magnífico.

Queria só mais duas coisas impossíveis, ter assistido esse jogo com meu avô, que me fez amar o Flamengo, e uma crônica de Armando Nogueira sobre este jogo, para ler no dia seguinte. Ah sim, isso seria fechar com chave de ouro.


*Reportagem muito boa do Esporte Espetacular sobre o jogo: http://www.youtube.com/watch?v=OrIDYIUzs2A

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Meu primeiro ménage a trois foi assim...



Por Vanessa Hassegawa

Cedo ou tarde eu preciso conhecer pessoas e coisas. Conheci o trabalho de Gerald Thomas este ano, com meus ansiosos vinte e poucos anos, mas não vou refletir muito sobre isso remoendo o porquê de eu ter demorado tanto para encontrar no meio de tanto pêlo e nó do mundo o trabalho de Gerald.

Acabei de assistir sua nova obra, Gargólios, e fiquei extasiada pela quantidade de palavras, sons e texturas sobre o palco.

Tudo positivamente solto, demandas sonoras de palavras e expressões atuais como  iPods, iPads, Apple, Sony, etnias que transformam a cidade grande... tudo largado e arrematado com uma única e profunda certeza: toda a bagunça sintetiza a vida (ao menos para mim).

Não escrevo somente para mostrar a forma que compreendi os símbolos, signos daquele trabalho, até porque para atingir a conceitos e fontes faltam-me mil livros e referências... Posso apenas expor o que senti depois daquela peça (ou a não-peça).

Na cena, interferências do próprio Gerald, que tocava seu baixo sob os acordes de Led Zepelin, a cenografia de escombros, a poeira e um sangue molhado e sombrio que escorria do corpo nu de uma das atrizes, pendurada no centro do palco. Com uma prontidão e tônus incrível, ela ali estática aclamando num silêncio barulhento todos os gritos que ecoam diariamente nessa televisão que não para de balbuciar sangue, morte, estupros, vendas, carne, tudo com pouco tato.

Não me contive e, ao final da peça, comprei o livro com as crônicas que Gerald blogou de 2004 a 2010. Fui com minha grande amiga Sá, super fã do trabalho do cara.  Ficamos numa fila cheia de tietes para conseguir o autografo – e o artista lá sentado, irritadiço e ansioso – para talvez ficar com ele mesmo e entender o efeito daquele dia de sua encenação. Ele pegou nosso livro e dissemos que queríamos a dedicatória para as duas e ele disse:  - ótimo já que são duas em um posso fazer um ménage a trois com vocês sem problemas né?

Rimos envergonhadas e acho que, apesar da inadequação, felizes por ter tido naquele dia uma piadinha de um cara que modificou as impressões sobre meus outros dias. Só sei que voltar ao trabalho no escritório na semana seguinte foi conflituoso. Estive enlouquecida com pensamentos contraditórios sobre o quão abusivo da minha parte por me sentir na cena de Gargólios todos os dias, por reconhecer as personagens da peça no dia a dia. Me percebi nesse núcleo do Sistema, me reconheci também pensando sobre o mundo corporativo e a crítica feita sobre esse universo, sobre o Eugenismo vindo das declarações de colegas de trabalho, sobre a minha identidade perdida ou não perdida ou, sobre a qual mundo quero pertencer? Mas peralá: há outro para mim, há outro para Gerald Thomas? Qual o veredicto justo desse mundo em que precisamos do dinheiro do Sistema para pagar aluguel, comprar coisas e cenouras e TAMBÉM assistirmos a obras como a de Thomas – a consequência é que produzimos pensamentos. Putz, tô pensando, que merda é essa?!

Dentro de minha terrível bagunça interna, cito a própria passagem por quem me fez pensar; no programa de Gargólios: “... ou um ‘caos sobre o caos’. Mas o transformei numa clínica psicanalítica onde os heróis e super demagogos se sentem traídos pelo próprio ego sentidos com tantos ipods, tantos ipads e tantos iphones (aliás escrevo esse release num iPad, ouvindo música pelo iPod. Hummmm, que estranho. Será que virarei um download?)

É, meu caro, e é nessa imperfeição que te considero hoje uma influência que preciso explorar. Correr atrás de suas fontes na psicanálise, a bagunça de Beckett, meu ménage a trois não será sexual, mas espero daqui pra frente procurar cada vez mais entender o lado trois/ em tríade entre mim – o caos do mundo – e a poesia.